Arquivo da categoria ‘John Coltrane’

HELTON RIBEIRO
Colaboração para Folha Online

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Ele foi o mais importante saxofonista surgido depois de Charlie Parker, desenvolvendo um novo modo de tocar que ampliou os horizontes do jazz. John Coltrane evoluiu do hard bop para o jazz modal e o free, incorporando estruturas da música indiana e imbuindo suas interpretações de forte carga emocional e mística. Suas “sheets of sounds” (sequências de notas tão rápidas e longas que davam a impressão “folhas” ou camadas de som) tornaram-se um desafio para os saxofonistas.

John William Coltrane nasceu em Hamlet, Carolina do Norte, em 23 de setembro de 1926. Tocou em grupos de rhythm & blues e depois com Dizzy Gillespie e Johnny Hodges. Atingiu a maturidade musical no lendário quinteto de Miles Davis nos anos 50, no qual permaneceu de 55 a 60, tendo participado do disco “Kind of Blue”, marco do jazz modal. Nesse período também fez uma histórica colaboração com Thelonious Monk e lançou, em 59, “Giant Steps”, sua primeira grande obra como líder, na qual já esboçava as “sheets of sounds”.

Ao deixar Miles, formou o clássico quarteto que incluía McCoy Tyner (piano) e Elvin Jones (bateria). Ainda em 60, lançou “My Favorite Things”, outra obra-prima. Suas experimentações atingiram a plenitude em “A Love Supreme”, de 64, onde ele mergulhou na música indiana e no espiritualismo. “Ascension”, de 65, marca sua adesão ao free jazz. Ele estava no auge da carreira quando, em 17 de julho de 67, morreu de infecção hepática em Huntington, Nova York.

Contexto histórico

Nos anos 30, o jazz era a melhor diversão, música para dançar. O bebop o intelectualizou, almejando convertê-lo em forma de arte. Coltrane levou-o a um novo patamar, adotando uma atitude espiritualista perante a música.

Ele “escreveu” seu próprio livro sagrado, o LP “A Love Supreme”, de 64, que dedicou a Deus. Os quatro temas do disco sucedem-se como uma oração sem palavras (com exceção da frase mântrica que dá nome a ele), capaz de comover o jazzófilo mais ateu.

Apesar de manifestar interesse pela cultura hindu, ele parecia não se vincular a uma religião específica. Sua crença era de que todas as pessoas deveriam se esforçar em prol de um mundo melhor, e que a música poderia ser um veículo para transmitir pensamentos positivos.

A “pregação” de Coltrane foi bem sucedida. Seus mais fiéis seguidores, o saxofonista Pharoah Sanders e a viúva Alice Coltrane, também adotaram uma postura devocional e positiva diante da música e da vida.

Curiosidades

 

  • Demorado

    Os longos solos de Coltrane, que podiam durar 20 minutos ou mais, tornaram-se lendários e geraram muita polêmica. O importante crítico Ira Gitler disse, na época, que os 16 minutos de “Chasin’ the Trane”, registrados em 61 no álbum “Live at the Village Vanguard” pareciam “a espera da passagem de um trem de carga de cem vagões”. Quando ele tocava no grupo de Miles Davis, o patrão exigiu que fizesse solos mais curtos, e Coltrane alegou que não conseguia, pois eles seguiam um encadeamento lógico. “É só tirar a p… do sax da boca!”, respondeu o irascível Miles.

  • Jazz militar

    Coltrane serviu na marinha entre 45 e 46, em uma base no Havaí. Sua primeira gravação foi feita com uma banda militar, em julho de 46.

  • Família musical

    Em seus dois últimos anos de vida, Coltrane foi casado com a pianista e harpista Alice Coltrane, que morreu em janeiro de 2007, deixando também uma obra de grande qualidade. Um dos filhos do casal, Ravi, é hoje um renomado saxofonista e já esteve algumas vezes no Brasil.

  • Homenagens

    Entre as muitas homenagens feitas a ele estão a do serviço postal americano, que estampou seu rosto em um selo, e a da companhia cinematográfica Universal, que deu o nome do saxofonista a uma rua de seus estúdios.

Sites relacionados

 

  • www.johncoltrane.com – o site oficial, mantido pela enteada do saxofonista, Michelle Coltrane-Carbonell, tem vídeos (inclusive dele com Miles Davis), biografia, discografia, galeria de fotos e informações sobre a Fundação John Coltrane e as bolsas de estudo oferecidas por ela.
  • www.midomi.com – o site (americano, apesar do nome) tem trechos de quase 500 músicas para ouvir e resenhas de todos seus discos.
  • www.nathanielturner.com – o site sobre cultura negra americana tem como maior atrativo as resenhas críticas de alguns dos discos de Coltrane, como “Expression” e “The Complete Africa/Brass Sessions”. A biografia também é muito boa.

A matéria acima foi publicada na Folha. Acesse aqui, leia o original e compre a coleção, é imperdível.

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John Coltrane

Publicado: 01/05/2007 em Jazz, John Coltrane, Swing

John Coltrane


John ColtraneJohn Coltrane é o saxtenorista mais cultuado do jazz. Nascido em Hamlet, Carolina do Norte, e neto de um pastor evangélico, John William Coltrane cresceu em High Point e em New Jersey. Começou a carreira tocando em big bands, após a Segunda Guerra. De 1955 a 1960 fez parte do histórico quinteto-sexteto de Miles Davis, tendo participado de discos memoráveis como Cookin’, Relaxin’, Steamin’, Workin’, Milestones e Kind of Blue. Essa foi a sua primeira grande fase, musicalmente falando, embora tenha sido um período difícil em sua vida pessoal, devido a um vício em heroína adquirido no final dos anos 40. (Esse problema foi o motivo de Miles o demitir e recontratar duas vezes, em 1956 e 1957.) Enquanto estava com Davis, também fez várias gravações como sideman, e em 1957 fez sua primeira gravação como líder.

Em 1960, após deixar o conjunto de Miles, Coltrane iniciou uma nova fase, liderando um quarteto com McCoy Tyner ao piano, Jimmy Garrison ao contrabaixo e Elvin Jones à bateria, e iniciou uma ousada e inédita exploração do espaço sonoro jazzístico. Coltrane desenvolveu um estilo absolutamente próprio, onde predominavam as chamadas sheets of sound (folhas ou camadas de som), que se compunham de longas frases de notas rápidas tocadas em legato. Coltrane embarca numa redicalização da harmonia que o leva à beira do atonalidade. Também fragmenta e desconstrói os temas, deixando-os quase irreconhecíveis sob um congestionamento de frases torturadas. A produção do quarteto de Coltrane entre 1960 e 1965 é um marco na história do jazz, comparável ao quinteto de Miles. As várias, longuíssimas e impressionantes versões de Coltrane para My Favorite Things, valsa aparentemente banal de Rodgers e Hammerstein, são antológicas. Em 1965 o quarteto cria aquela que é unanimemente considerada sua obra-prima, a suíte em quatro movimentos A Love Supreme.

Embora vindo do hard bop, o Coltrane de 1955 a 1965 já podia ser considerado em certo sentido um precursor do free jazz. Porém em 1965 sua ligação com a vanguarda se torna ainda mais direta, quando se une a músicos free como o baterista Rashied Ali, os saxtenoristas Archie Shepp e Pharoah Sanders, entre outros. Sua mulher, a pianista Alice Coltrane, também o acompanha nessa nova, arrojada e curta fase. O disco Ascension é uma obra-prima desse período, já desvinculado da harmonia tonal. Bastante religioso, Coltrane imprimiu às suas obras de 1965-1967 um forte conteúdo religioso e místico. Morreu repentina e prematuramente, em 1967, aos 40 anos, de câncer no fígado. Após sua morte, uma grande quantidade de gravações inéditas foi sendo localizada e lançada, permitindo ao público avaliar melhor o quão monumental é sua obra.

Sobre Coltrane, escreve o crítico André Francis: “Não poucos medíocres julgaram poder imitar Coltrane. Ora, tocar como ele exige uma fé enorme. Coltrane era puro, generoso, gostava do mundo; seu rosto espelhava calma e franca formosura. Os que o imitam não passam de aproveitadores. (…) Em tudo a vida de John Coltrane é exemplar. Nenhum escândalo, nenhuma fraqueza, quase nenhuma anedota frívola: música, isso sim, acima de tudo. (…) Muitos há que tocam e agem como ele (…) Mas falta-lhes a mesma fé.” Dificilmente se poderia acrescentar algo a tais palavras.

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